de leila@ipanema para geisy@uniban

Reproduzo aqui um artigo do 2º Caderno d'O Globo de hoje e que representa muito bem o que anda ocorrendo com a nova geração.

Se a Geisy vai continuar caitituando a "celebridade" oportuna, isso realmente não me interessa. A patuléia que a dará audiência e platéia a personagem merece sobreviver de Ilhas de Caras, Gugus Liberatos, Amaurys Jrs, e quejandos.

O que "pega" é o cerne da ocorrência e aqui esse artigo merece ser lido e as brasas da memória reavivadas...

de leila@ipanema para geisy@uniban

Leila Diniz dá uns toques na garota da minissaia

Geisy, você não me conhece, mas eu soube o que você andou passando. Dei um tempo no sol que eu estava pegando numa nuvem pra te escrever.

Negó seguin. Eu acho que nem se fala mais assim por aí, mas você me perdoa esses cacoetes. Peguei com o pessoal do “Pasquim”, uns jornalistas tarados que bebiam todas nos bares de Ipanema e depois iam para redação explodir a imprensa tradicional. Eles eram duca. Diziam “Eu vou batepatu, patubatê patuapatota”, e é isso que eu vou fazer aqui.

Queria dizer que já passei drama parecido com o teu. Sou uma atriz dos anos 60, a década em que as mulheres começaram a usar minissaias como a que você vestiu na Uniban e os babaquaras não deixaram. Desculpe os palavrões, mas são as minhas vírgulas. Dei uma entrevista praqueles malucos do “Pasquim” e, no lugar de palavrões que eu falava, como “merda”, “pentelho”, “trepar”, essas coisas que hoje passam na novela das seis, eles colocaram uns asteriscos do tipo (*).

O palavrão virou verdade em mim, e quando as coisas são verdade todo mundo aceita. Mas foi uma desgraceira. Só a Dercy Gonçalves falava. Mulher de classe média não dizia palavrão, mulher decente de Ipanema não dizia que podia amar um homem e ir para a cama com outro — e eu disse isso tudo e muito mais no “Pasquim”.

Foi um escândalo. Era o início da ditadura dos militares. Os comunistas acharam que eu era uma alienada, os generais me perseguiram. Mifu de verde e amarelo. Fiquei sozinha, todo mundo atirando pedra e gritando “puta”, como fizeram na Uniban. Da mesma maneira que você chegou a ser expulsa, tive que ir à delegacia assinar um documento jurando que não diria mais palavrão em público. Fiquei escondida em casa de amigos, perdi emprego na novela da Globo.

Foi (*) no (*) de Creuza. Precisei abrir uma butique de batas indianas em Ipanema para sobreviver. Sacumé, Geisy? O negócio é ser feliz. Se você gosta de ir de minissaia atochadinha pra Uniban, continua. Eu escolhia os meus trabalhos pela patota, não queria saber se era filme de arte ou o (*) a quatro. Queria me divertir. Mas vou batepatu. A liberdade da mulher vai ser sempre uma coisa difícil para os outros. Não foi a minissaia nas tuas pernas, foi a caretice de séculos na cabeça deles.

Eu, se fosse você, (*) e andava pra isso. Mas segura o tranco. Isso ainda demora para acabar — e dói. Eu estou te dizendo isso tudo porque li as notícias aqui em cima, no portal de São Pedro, e achei que contar meu caso te ajudaria a entender o drama. Eu acho discurso uma (*) e nunca foi o meu caso. Meu negócio era sair nadando do Posto Seis até o Leme em alto-mar. Mas sei, sofri na pele, que preconceito é pedra dura que nem a do Arpoador. Não morre de uma hora para a outra. Mais adiante vão apedrejar alguma mulher porque ela sentou de perna aberta. Neguinho é (*). Não sei se já te contaram, não ria, mas no meu tempo havia um código para a mulher se sentar como devia, toda bem fechadinha. Trancada. Casava-se virgem, acredita? Moça não dava. Não dizia palavrão. Não ia sozinha ao cinema. Teve um cantor da Jovem Guarda, o Bobby di Carlo, que fez sucesso com uma música chamada “Ela é uma boneca que diz não, não e não”.

Pode rir. As moças dos anos 60 eram como as moças de todos os tempos, e elas queriam o direito de poder dizer “sim, sim e sim” ao que merecesse. Queriam dar, mas estavam proibidas. O padre ameaçava excomungar, o pai dizia que botava para fora de casa, e a mãe era internada depois de passar a tarde inteira gritando “minha filha é uma perdida”. Sofria-se. Eu estava lá. Um dia a alça do meu sutiã apareceu por baixo do vestido, e o meu pai, comunista do Partidão, deu a maior bronca. Disse que eu parecia uma qualquer. Não era mole ser mulher nos anos 60, e, pelo que eu vi acontecer com você, continua não sendo. Eu dizia que cafuné eu topava até de macaco, porque o normal era a mulher apanhar muito. Quiuspa. Quimera. Era barra-pesada. Como eu não estava nem aí, os bocomocos de Ipanema, assim como os da Uniban, me chamavam de “puta”.

Não liguei. Por um lado, vivi a minha vida e, até que o avião caísse na Índia, fui muito feliz. Se servi de exemplo para as outras mulheres, não me importa. A intenção era viver do jeito que eu queria, com os homens que eu escolhia e, cacilda!, não ligar para o que dissessem. Aqui del Rey! Fiz o que me deu na telha. Um dia fui julgada num programa de televisão, e o sujeito disse que eu não tinha o direito de ser mãe, porque era uma prostituta. Chorei muito em rede nacional e, sempre que vejo uma mulher em situação parecida, vítima do eterno rancor de ela ser como quiser ser, eu me solidarizo. Pois é isso, Geisy. Eu estava aqui na minha nuvem, pegando um bronze com o doce canalha do Anselmo Duarte, que acabou de chegar, mas achei que devia te mandar um alô. Ser mulher é (*) e assim vai continuar sendo por muito tempo. Vão encontrar sempre um jeito novo de manifestar o preconceito.

Um dia, eu estava grávida, coloquei o biquíni e fui à praia. Foi um escândalo. Tudo porque eu não usei, como todas as grávidas, uma bata que vinha do sutiã e tapava a barrigona. Barriga daquele jeito era sinal de que tinha havido sexo por ali, e sexo, qualquer de suas manifestações, devia ser escondido. Era pecado, coisa feia. Homens e mulheres, porque elas também jogam muito contra o patrimônio, me chamavam de “puta” em Ipanema. Me contaram que hoje as grávidas botam orgulhosas o barrigão pra fora, mas, naquele início dos anos 70, aquilo foi um pecado que eu, sem querer, eu só queria pegar sol e ser feliz, apaguei da lista de condenações para as mulheres. Agora vejo que continuam inventando novas condenações para a gente.

Eu não queria fazer revolução, queria dar gargalhada com a Aninha, com a Marieta, e namorar muito. Se o teu negócio é minissaia atochada, Geisy, vai nessa. O resto, (*). Beijos da Leila Diniz, e não se esquece de colocar no iPod a música do Jair Rodrigues, ô neguinho assanhado, aquela do “Deixa que digam, que pensem, que falem”. Mete bronca e pega um sol nessas coxas que tu tá muito branquela. Solta a franga, e anota: ser feliz é duca. 

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